Remodelamento da via aérea em crianças: quando ele se inicia?

Remodelamento da via aérea em crianças: quando ele se inicia?

Dr. Flávio Sano

Airway Remodelling in Children: When does it start ? Baena-Cagnani C, Rossi GA, Canônica GW. Curr Opin Allergy Clin Immuno. 2007;7:196-200

Objetivos
Caracterizar o remodelamento da via aérea na infância e descrever o quão precoce é possível detectar suas mudanças celulares e bioquímicas. Vários estudos clínicos e epidemiológicos sugerem fortemente que o remodelamento pode surgir muito precocemente na asma e que a prevenção atual e o tratamento são relativamente ineficazes para evitar o desenvolvimento de mudanças irreversíveis da via aérea.

Achados recentes – Mudanças estruturais caracterizando o remodelamento, como o espessamento da membrana basal subepitelial (MBS), a ruptura das células epiteliais, o desequilíbrio protease/anti-protease e a neoangiogênese são detectados em crianças asmáticas e até mesmo em crianças atópicas ou com sintomas respiratórios, antes mesmo que um diagnóstico clínico preciso de asma brônquica seja concluído.
                                                      
Fontes de dados – Artigos relevantes relacionados ao remodelamento na asma identificados em listas de referências de artigos de revisão e “guidelines”.

Seleção dos artigos – Os artigos foram selecionados pelos autores.

Introdução
O remodelamento engloba mudanças estruturais da superfície da via aérea, induzidas por mediadores liberados pelas células inflamatórias ativadas, com descamação de epiteliócitos no lúmen brônquico, e complexos mecanismos, levando ao reparo tecidual. Como consequência, dois resultados diferentes podem ser alcançados: regeneração total ou substituição do parênquima normal do trato respiratório por tecido cicatricial, com deposição de quantidades crescentes de colágeno (principalmente tipos III e IV), fibronectina e polissacarídeos (como ácido hialurônico).  Até recentemente, o remodelamento da via aérea era considerado como um fenômeno secundário à inflamação persistente, tendo recebido menor atenção que o componente inflamatório.  Estudos de biópsias post-mortemn de crianças asmáticas demonstraram ruptura de células epiteliais, infiltrado eosinofílico, variados graus de hiperplasia de células caliciformes e glândulas submucosas, espessamento da camada de colágeno da membrana basal subepitelial, hipertrofia da musculatura e aumento do número e do tamanho dos vasos sanguíneos na parede da via aérea.  Estudos epidemiológicos têm demonstrado que o progressivo declínio da função pulmonar pode também ser visto numa proporção significativa de pacientes asmáticos jovens, sugerindo fortemente que o remodelamento pode iniciar muito precocemente, pelo menos em indivíduos predispostos.

Espessamento da membrana basal subepitelial
Foram avaliados cortes ultrafinos de biópsias endobrônquicas em 3 grupos de pacientes: crianças com obstrução fixa do fluxo aéreo;  sem reversibilidade ao broncodilatador e sem obstrução do fluxo aéreo, com médias de idade entre 11,5 e 12,4 meses. Não houve diferenças significativas no espessamento da MBS ou no número de células inflamatórias entre os 3 grupos.  Um grupo de crianças com idade média de 10,3 anos e asma de difícil controle apresentou maior espessamento comparativo da MBS. Outro estudo avaliou crianças de 2 anos com sintomas respiratórios. As mesmas foram reavaliadas entre 22 e 80 meses depois. Nas crianças que desenvolveram asma foram observados mais eosinófilos na mucosa brônquica e maior espessamento da MBS. Uma questão de importância crescente é o uso de métodos diagnósticos não invasivos, que evitem a realização de broncoscopia para coleta de material para biópsias, como tomografias computadorizadas de alta resolução. Em crianças com asma grave, houve correlação positiva entre o espessamento da MBS das biópsias brônquicas e o score de espessamento da parede brônquica encontrado na tomografia. Outro campo particularmente interessante para a Pediatria é o uso da análise do condensado respiratório exalado. Estudos foram realizados para avaliar a relação entre cysteinyl-leucotrienos (que estimulam a proliferação das células musculares lisas da via aérea) no condensado e espessamento da MBS em biópsias. Os cys-LTs foram significativamente mais baixos nos grupos tratados com montelukaste (antagonista de cys-LTs). O grupo não tratado apresentou forte correlação entre espessamento da MBS e níveis elevados de cys-LTs no condensado.

Estresse epitelial
Foram avaliados epitélios brônquicos de crianças com asma moderada/grave e de crianças não asmáticas, com idades variando entre 5 e 15 anos. A lâmina reticular das biópsias de asmáticos é mais espessa que o normal, com deposição crescente de colágeno (especialmente tipo III).  Entretanto, o dano epitelial não se correlacionou com resposta proliferativa adequada, levantando a hipótese de que, em crianças asmáticas, o epitélio é incapaz de regenerar após lesão.

Desequilíbrio protease/anti-protease
Enzimas proteolíticas, como as metaloproteinases matriciais (MMPs), são liberadas nas vias aéreas e degradam componentes da matriz extracelular, como colágeno tipo IV. O desequilíbrio das metaloproteinases e de seus inibidores no lavado broncoalveolar pode ocorrer em crianças asmáticas, refletindo uma alteração precoce do metabolismo da matriz extracelular, que pode ter importante papel no remodelamento.

Neoangiogênese
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Eacute; controlada por uma variedade de fatores de crescimento sintetizados e liberados como resultado dos eventos inflamatórios que caracterizam a asma. Dois destes fatores foram dosados no sobrenadante do escarro de pacientes asmáticos (fator de crescimento endotelial vascular e angiogenina), durante a crise aguda e 6 semanas após o início do tratamento. Níveis significativamente altos foram detectados nas crianças em crise quando comparadas com os controles. Após o tratamento, houve redução significativa dos níveis.

Conclusão
O papel dos diversos fatores genéticos e dos complexos mecanismos celulares envolvendo a patogênese da asma ainda são pouco compreendidos. Mesmo os tratamentos anti-inflamatórios potentes disponíveis, que são eficazes no controle dos sintomas, não levam a modificações da doença, uma vez que sua suspensão leva à recidiva dos sintomas.
A identificação das mudanças estruturais precoces que podem preceder o desenvolvimento da asma em crianças predispostas e a compreensão dos fatores que levam à cronicidade e possivelmente gravidade e perda da função pulmonar parecem ter papel central na terapia futura e na modificação da história natural da asma.
      
COMENTÁRIO – Cada vez mais fica claro que mesmo o melhor tratamento atual da asma com corticosteróides inalatórios, parece apenas melhorar e controlar os sintomas, mas não consegue interromper o processo de reparação e remodelamento vistos na asma.
        

Resumo realizado pela Dra Thais Batelochio – Aprimoranda em Alergia e Imunologia do Instituto da Criança – HCFMUSP

Orientação: Dr. Antonio Carlos Pastorino – Doutor em Medicina pela FMUSP – Assistente da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança – HCFMUSP