Propriedades antiinflamatórias dos antibióticos macrolídeos nas doenças respiratórias

Propriedades antiinflamatórias dos antibióticos macrolídeos nas doenças respiratórias

Dr. Herberto J. Chong Neto

Introdução
A eritromicina, um antibiótico da classe dos macrolídeos, tem sido empregada na clínica, po-rém seu uso está limitado com a descoberta de novas medicações antibacterianas. Atualmente usa-se eritromicina como segunda opção para o controle de infecções provocadas por germes grampositivos e em substituição às penicilinas em pacientes alérgicos a esta droga1.
Em 1981, Homma et al2 descreveram uma no-va doença denominada panbronquiolite difusa,
que cursa com sinusobronquite crônica, de etiolo-gia desconhecida, geralmente acima de 20 anos, sem predomínio de sexo, mais freqüente em asiá-ticos e elevado índice de mortalidade na década de 70. Apesar de rara na população asiática, al-guns casos desta doença têm sido descritos em americanos, hispânicos e em um brasileiro não asiático, devendo esta doença entrar no diagnós-tico diferencial de indivíduos com pneumopatias crônicas associadas à pansinusopatia3-5. O diag-nóstico definitivo é feito por exame anatomopa-tológico com visualização microscópica de linfó-citos e plasmócitos infiltrados nas paredes dos bronquíolos terminais, ductos alveolares e alvéo-los, formando a panbronquiolite difusa6.

Atentos ao alto índice de mortalidade encon-trado em pacientes com panbronquiolite difusa, sobrevida de 42% em cinco anos nos indivíduos infectados por Haemophilus influenzae e 8% nos infectados por Pseudomonas aeruginosa, um gru-po de pesquisadores estimulados pelo Ministério da Saúde e Bem-estar Social do Japão, iniciou pesquisas com eritromicina para o tratamento desta doença, obtendo resultados promissores7.
Desde então, panbronquiolite difusa e eritromi-cina despertam interesse da comunidade científica ocidental, pois existem semelhanças entre pan-bronquiolite difusa e fibrose cística no que diz respeito ao mecanismo inflamatório, apresentação da doença pulmonar e microbiologia do escarro8. Porém, a mutação gênica mais comum encontrada em fibrose cística, Delta F508, não foi encontrada em 21 pacientes com panbronquiolite difusa9. Existem atualmente mais de 700 mutações gêni-cas descritas em fibrose cística.
Conhecendo estes fatos, Jaffé et al10 trataram empiricamente um adolescente com fibrose císti-ca, que tinha indicação de transplante cardio-pul-monar, com azitromicina na dose de 500 mg/dia durante três meses e o paciente apresentou melho-ra clínica e nas provas de função pulmonar, resul-tando na sua retirada da lista de transplante.

Mecanismo inflamatório na doença respirató-ria crônica e pontos de ação dos antibióticos macrolídeos

Analisando o lavado bronco-alveolar de paci-entes portadores de panbronquiolite difusa, bron-quite crônica e controles saudáveis, Ichikawa et al11 encontraram aumento no número de neutró-filos e redução no número de macrófagos no gru-po de indivíduos com panbronquiolite difusa em relação aos grupos de indivíduos com bronquite crônica e voluntários saudáveis.
Em outro estudo, doze pacientes com panbron-quiolite difusa e bronquiolite folicular foram tra-tados com eritromicina na dose de 600 mg/dia (n=8) e ampicilina 1000 mg/dia (n=4) durante três meses. Avaliando o lavado bronco-alveolar pré e pós-tratamento, foram encontrados em seis dos pacientes tratados com eritromicina, redução do número de neutrófilos e aumento no número de macrófagos e linfócitos, o que não ocorreu com os pacientes tratados com ampicilina12.
Com objetivo de verificar a ação da eritromici-na sobre a quimiotaxia de neutrófilos, Kadota et al13 estudaram o lavado bronco-alveolar de 19 pacientes com panbronquiolite difusa e cinco vo-luntários saudáveis não fumantes. O grupo de do-entes apresentou significativo aumento na qui-miotaxia do neutrófilo. Após terapia com eritro-micina na dose de 600 mg/dia, por um período de seis a doze meses, onde não foram relatados efei-tos indesejáveis pró-cinéticos14 e de aumento no intervalo QT15, onze dos indivíduos com pan-bronquiolite difusa demonstraram importante re-dução na quimiotaxia do neutrófilo em relação ao início da terapia e conseqüente diminuição do nú-mero destas células no lavado brônquico.
Pacientes com doença crônica das vias aéreas, colonizados ou não por Pseudomonas aeruginosa (n=17) e voluntários saudáveis (n=8) tiveram la-vado bronco-alveolar analisado para verificar a presença de interleucina-8 (IL-8) e elastase de neutrófilo16. Foram encontrados níveis elevados de IL-8 nos pacientes com doença crônica das vias aéreas colonizados ou não por Pseudomonas aeruginosa e aumento da elastase de neutrófilo apenas nos doentes colonizados por esta bactéria.
Três dos indivíduos colonizados e dois dos pa-cientes não colonizados receberam eritromicina por via oral na dose de 600 mg/dia num período de três me
ses e após o término do tratamento apresentaram significativa redução nos níveis de IL-8 e elastase de neutrófilo.
Células epiteliais de brônquio da linhagem BET-1A conhecidas por regular a expressão de citocinas e quimiocinas, foram tratadas com eri-tromicina, observando-se supressão na expressão do RNA e liberação de IL-8, bem como inibição de fatores de transcrição como fator nuclear-kap-paB (NF-kB) e proteína ativadora-1 (AP-1)17.
Culturas de células epiteliais humanas foram tratadas com eritromicina, claritromicina e peni-cilina. Níveis reduzidos de IL-8 foram encontra-dos nas culturas tratadas com macrolídeos, o que não ocorreu com o uso de penicilina, denotando uma possível exclusividade deste efeito à classe de antibióticos18.
Em outro estudo in vitro, células epiteliais brônquicas humanas foram estimuladas com en-dotoxina do Haemophilus influenzae e a estas foi adicionado lactobionato de eritromicina, com conseqüente redução dos níveis de sICAM-1 quando comparadas às culturas de controle19.
Leucotrieno B4, um metabólito da enzima 5-li-poxigenase com fator de adesividade e quimiota-xia do neutrófilo, está aumentado no lavado bron-co-alveolar de pacientes com panbronquiolite di-fusa.
Oda et al20 trataram nove destes pacientes com eritromicina, 600 mg/dia, por um período maior do que seis meses, demonstrando ter havido re-dução dos níveis de leucotrieno B4 e melhora na função pulmonar destes doentes. Melhora nas provas de função pulmonar e redução do volume de escarro também foram observadas em pacien-tes com bronquiectasias, tratados com eritromi-cina 500 mg duas vezes ao dia por oito semanas, o que não ocorreu nos pacientes com bronquiec-tasias tratados com placebo21.
Subpopulação de linfócitos T CD8+ também foi encontrada no lavado bronco-alveolar de paci-entes com panbronquiolite difusa. Tratados com eritromicina, 600 mg/dia, e roxitromicina, 150 mg/dia, por um período médio de dez meses, es-tes doentes apresentaram importante redução na contagem da subpopulação de linfócitos T CD8+, demonstrando atividade imunossupressora dos antibióticos macrolídeos22.
Pesquisando a inibição da secreção de cloro através do epitélio da traquéia de cães, Tamaoki et al23 utilizaram eritromicina, ampicilina, cefa-zolina e tetraciclina. Apenas o macrolídeo apre-sentou atividade inibitória da secreção de íons cloretos no epitélio destes animais.
Crianças com bronquiectasias, em um estudo duplo-cego, controlado com placebo, receberam roxitromicina durante doze semanas para avaliar a hiperreatividade brônquica. Após este prazo houve redução da hiperreatividade com aumento significativo da PD20 à metacolina24. Esta redu-ção da reatividade brônquica também foi encon-trada em asmáticos atópicos e não atópicos, após tratamento com eritromicina durante dez sema-nas25.

Após doze semanas de uso de agentes ß2-adre-nérgicos inalados, atropina, cromoglicato dissó-dico, beclometasona aerossol, N-acetilcisteína e prednisona diária em altas doses, Suez et al26 trataram asmáticos de quatro anos e sete meses com excessivo acúmulo de muco utilizando eri-tromicina 200 mg a cada seis horas, e com 24 ho-ras de evolução a criança iniciou eliminação de grandes tampões mucosos e melhora do quadro clínico.

Para avaliar propriedades físicas da secreção nasal de pacientes com doença dos seios (n=10) e saudáveis (n=10) foi realizada outra análise in vi-tro. Durante duas semanas, ambos os grupos rece-beram claritromicina 500 mg duas vezes ao dia e houve redução da coesão, viscoelasticidade, e do volume de secreção nasal27.
Miyashita et al28 através de cultura, sorologia e reação de cadeia de polimerase demonstraram uma incidência de 9% dos pacientes asmáticos infectados por Chlamydia pneumoniae evidenci-ando uma relação entre este microorganismo e asma. Três asmáticos graves corticodependentes e com títulos elevados de IgG anti-Chlamydia pneumoniae tratados com macrolídeos foram ca-pazes de descontinuar a terapêutica com corticos-teróides via oral, evidenciando que além do efeito contra o micro-organismo houve ação antiinfla-matória29.
Em uma análise retrospectiva do índice de so-brevida dos pacientes com panbronquiolite difu-sa, após a introdução da eritromicina como agente antiinflamatório, Kudoh et al30 observaram que a partir de 1985 houve um aumento na sobrevida destes doentes em um período de dez anos.
O mecanismos de ação antiinflamatória dos macrolídeos consiste na inibição de ICAM-1 com conseqüente redução da quimiotaxia e acúmulo de neutrófilos e menor liberação de citocinas, leu-cotrieno B4 e de substâncias neutrofílicas de lesão tecidual e também na inibição do canal de cloro nas células epiteliais com redução da secreção de água e mucina31. (Figura1)

Conclusões

Apesar de restritas as indicações no uso dos antibióticos macrolídeos no tratamento de diver-sas infecções bacterianas, esta classe de medica-mentos tem demonstrado importante atividade imunossupressora e antiinflamató
ria, com signi-ficativa redução de pacientes com doença pulmo-nar intersticial crônica no extremo leste do plane-ta. Outros pesquisadores já iniciaram seu uso em fibrose cística, asma, bronquiectasias e rinite, do-enças ainda sem cura e apenas controláveis, que necessitam todos os esforços e novas descoberta para seu melhor tratamento.

O mecanismo de ação antiinflamatória dos an-tibióticos macrolídeos não está totalmente escla-recido, necessitando de novas investigações. Esta classe de medicamentos pode ser um grande alia-do pelos efeitos antiinflamatórios na melhora da sobrevida de pacientes com moléstias inflamató-rias pulmonares crônicas e muitas vezes fatais.

Referências bibliográficas
1. Egle JL Jr. Aminoglycosides, tetracyclines, Chlo-ramphenicol, Erythromycin and Related Macroli-des, and Other Protein Synthesis Inhibitors. In Munson PL, Mueller RA, Bresse GR, ed Princi-ples of Pharmacology – Basic concepts and clini-cal applications. 1ª ed. New York: Chapman and Hall; 1995. P. 1319-1338.
2. Homma H, Yamanaka A, Tanimoto SMT, Tamu-ra M, Chijimatsu Y, Kira S, et al. Diffuse pan-bronchiolitis. A disease of the transitional zone of the lung. Chest 1983; 83:63-69.
3. Fitzgerald JE, King TE Jr., Lynch DA, Tuder RM, Schwarz M. Diffuse panbronchiolitis in the United States. Am J Respir Crit Care Med 1996; 154:497-503.
4. Homer RJ, Khoo L, Walker Smith GJ. Diffuse panbronchiolitis in a hispanic man with travel history to Japan. Chest 1995; 107:1176-1178.
5. Martinez JA, Guimarães SM, Ferreira RG, Pe-reira CA. Diffuse panbronchiolitis in Latin Ame-rica. Am J Med Sci 2000; 319:183-185.
6. Iwata M, Colby VT, Kitaichi M. Diffuse pan-bronchiolitis: Diagnoses and distinction from va-rious pulmonary diseases with centrilobular in-terstitial foam cell accumulations. Human Pa-thology 1994; 25:357-363.
7. Nakata K, Inatomi K. Case study on diffuse pan-bronchiolitis patients diagnosed via histopatho-logical examination. Annual report of the Rese-arch Committee on Interstitial Pneumonia. Mi-nistry of Health and Welfare, Japan 1981; p. 25.
8. Høiby N. Diffuse panbronchiolitis and cystic fi-brosis: East meets West. Thorax 1994; 49:531-532.
9. Akai S, Okayama H, Shimura S. Delta F508 mu-tation of cystic fibrosis gene is not found in chro-nic bronchitis with severe obstruction in Japan. Am Rev Respir Dis 1992; 146:781-783.
10. Jaffé A, Francis J, Rosenthal M, Bush A. Long-term azithromycin may improve lung function in children with cystic fibrosis. Lancet 1998; 351-420.
11. Ichikawa Y, Koga H, Tanaka M, Nakamura M, Tokunaga N, Kaji M. Neutrophilia in bronchial-veolar lavage fluid diffuse panbronchiolitis. Chest 1990; 98:917-923.
12. Ichikawa Y, Ninomiya H, Koga H, Tanaka M, Kinoshita M, Tokunaga N, et al. Erytromycin reduces neutrophils and neutrophil-derived elas-tolytic-like activity in the lower respiratory tract of bronchiolitis patientes. Am Rev Respir Dis 1992; 146:196-203.
13. Kadota JI, Sakito O, Kohno S, Sawa H, Mukae H, Oda H, et al. A mechanism of erytromycin treatment in patients with diffuse panbronchio-litis. Am Rev Respir Dis 1993; 147:153-159.
14. Kondo Y, Torii K, Omura S, Itoh Z. Erytromycin and its derivaties with molitin-like biological acti-vities inhibit the specific binding of 1251-motilin to duodenal muscle. Biochem Biophys Res Com-mun 1988; 150:877-882.
15. Freedman RA, Anderson KP, Green LS, Mason JW. Effect of erytromycin on ventricular arrhyth-mias and ventricular repolarization in idiopathic long QT syndrome. Am J Cardiol 1987; 59:168-169.
16. Oishi K, Sonoda F, Kobayashi S, Iwagaki A, Na-gatake T, Matsushima K, et al. Role of interleu-kin-8 (IL-8) and an inhibitory effect of erytromy-cin on IL-8 release in the airway of patients with chronic airway diseases. Infec Immun 1994; 62: 4145-4152.
17. Takizawa H, Desaki M, Ohtoshi T, Kawasaki S, Kohyama T, Sato M, et al. Erytromycin modula-tes IL-8 expression in normal and inflamed hu-man bronchial epithelial cells. Am J Respir Crit Care Med 1997; 156:266-271.
18. Desaki M, Takizawa H, Ohtoshi T, Kasama T, Kobayashi K, Sunazuka T, Omura S, Yamamoto K, Ito K. Erytromycin suppresses nuclear factor- -kappaB and activator protein-1 activation in hu-man bronchial epithelial cells. Biochem Biophys Res Commun 2000; 267:124-128.
19. Khair AO, Devalia JL, Abdelaziz MM, Sapsford RJ, Davies RJ. Effect of erytromycin on Haemo-philus influenzae endotoxin-induced release of IL-6, IL-8 and sICAM-1 by cultured human bron-chial epithelial cells. Eur Respir J 1995; 8: 1451-1457.
20. Oda H, Kadota JI, Kohno S, Hara K. Leukotriene B4 in bronchoalveolar lavage fluid of patients with diffuse panbronchiolitis. Chest 1995; 108: 116-122.
21. Tsang KW, Ho PI, Chan KN, Ip MS, Lam WK, Ho CS, Yuen KY, Ooi GC, Amitami R, Tanaka E. A pilot study of low-dose erythromycin in bronchiectasis. Eur Respir J 1999; 13: 361-364.
22. Mukae H, Kadota JI, Kohno S, Kusano S, Mori-kawa S, et al. Increase in activated CD8+ cells in bronchoalveolar lavage fluid in patients with dif-fuse panbronchiolitis. Am J Respir Crit Care Med 1995; 152:613-618.
23. Tamaoki J, Isono K, Sakai N, Kanemura T, Kon-no K. Erythromycin inhibits C1 secretion across canine tracheal epithelial cells. Eur Respir J 1992; 5:234-238.
24. Koh YY, Lee MH, Sun YH, Sung KW, Chae JH. Effect of roxithromycin on airway responsiveness in children with bronchiectasis: a double-blind, placebo-controlled study. Eur Respir J 1997; 10: 994-999.
25. Miyatake H, Taki F, Taniguchi H, Suzuki R, Ta-gagi K, Satake T. Erythromycin reduces the seve-rity of bronchial hyperresponsiveness in asthma. Chest 1991; 99:670-673.
26. Suez D, Szefler SJ. Excessive accumulation of mucus in children with asthma: A potential role for erythromycin? A case discussion. J Allergy Clin Immunol 1986; 77: 330-334.
27. Rubin BK, Druce H, Ramirez OE, Palmer R. Ef-fect of Clarithromycin on nasal mucus properties in healthy subjects and in patients with purulent rhinitis. Am J Respir Crit Care Med 1997; 155: 2018-2023.
28. Miyashita N
, Kubota Y, Nakajima M, Niki Y, Kawane H, Matsushima T. Chlamydia pneumo-niae and exarcerbations of asthma in adults. Ann Allergy Asthma Immunol 1998; 80:405-409.
29. Hahn D, Bukstein D, Luskin A, Zeitz H. Eviden-ce for Chlamydia pneumoniae infection in ste-roid-dependent asthma. Ann Allergy Asthma Im-munol 1998; 80:45-49.
30. Kudoh S, Azuma A, Yamamoto M, Izumi T, An-do M. Improvement of survival in patients with diffuse panbronchiolitis treated with low-dose erythromycin. Am J Respir Crit Care Med 1998; 157:1829-1832.
31. Kudoh S. Erythromycin treatment in diffuse pan-bronchiolitis. Curr Opin Pulm Med 1998; 4:116-121.


Figura 1 – Mecanismo inflamatório das vias aéreas e sítios de ação da eritromicina. (Adaptado de Kudoh et al)31