Alterações imunológicas pós-circulação extracorpórea

Alterações imunológicas pós-corculação extracorpórea

Dra. Luciana S. Henriques

Introdução

A circulação extracorpórea (CEC) é um recurso utilizado há alguns anos em cirurgias cardiovas-culares de grande porte, pois substitui as funções cardíaca e pulmonar durante a cirurgia1. Seu am-plo uso é justificado por facilitar a técnica cirúr-gica uma vez que o coração permanece sem san-gue e parado no intraoperatório2. Além disso, tor-na desnecessário o garroteamento das artérias co-ronárias diminuindo assim o risco de infarto mio-cárdio na cirurgia3. Entretanto, vários estudos vêm demonstrando que a CEC não é isenta de ris-cos, sendo muitas vezes, a causa de complica-ções2.
Assim, é bem descrita e reconhecida a síndro-me da resposta inflamatória induzida pela CEC que cursa com disfunção orgânica4-6, principal-mente pulmonar6, renal7 e cardíaca7, observada em pacientes submetidos à cirurgia cardiovas-cular. Esta síndrome é chamada de “síndrome pós-perfusão”5 a qual apresenta características clínicas muito semelhantes ao choque séptico1. A síndrome caracteriza-se por uma série de altera-ções do sistema imunológico levando a complica-ções pós-operatórias e maior morbidade neste período8.
O exato mecanismo fisiopatológico das lesões que ocorrem nos órgãos após a CEC permanece pouco esclarecido9, 10. Observações em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio mos-traram maior número de complicações no grupo que fez uso de CEC, no intraoperatório, entre elas infarto perioperatório, arritmias, acidente vascular cerebral, insuficiência renal, sangramento, intuba-ção orotraqueal prolongada e síndrome vasoplé-gica2.

Foi verificado ainda que a taxa de infecção pós-operatória era maior nos pacientes submeti-dos à CEC11. É necessário lembrar que a resposta imune do indivíduo está alterada pelo próprio es-tresse cirúrgico (trauma cirúrgico e/ou anestési-co)8, 12. Nessas condições pode haver diminuição da resistência permitindo a proliferação de micro-organismos endógenos que poderão causar infec-ções pós-operatórias12.
Fransen et al relatam3 que a resposta inflama-tória de fase aguda da síndrome induzida pela CEC resulta mais da intervenção cirúrgica do que do uso de CEC, porém utilizaram uma amostra pequena, dificultando a análise do real impacto da CEC no pós-operatório. Entretanto, a grande par-te dos estudos realizados a este respeito eviden-ciou claramente uma resposta inflamatória intra-vascular generalizada “tipo fase aguda” desenca-deada pela CEC3,6,8,10,13.
Nesta revisão serão abordados os principais pa-râmetros imunológicos alterado pela CEC, bem como a importância dos mesmos na abordagem clínica do paciente.

Resposta inflamatória na CEC

A resposta inflamatória na CEC resulta de uma interação complexa entre imunidade celular e hu-moral14.
Sabe-se que a CEC desencadeia vários meca-nismos inflamatórios, entre eles a produção de ci-ninas1, ativação do sistema coagulação1,3,15, libe-ração de fragmentos ativados do complemen-to1,3,15,16, aumento de endotoxinas1,3,16, calicreí-na3, ativação do sistema fibrinolítico3, aumento da expressão de moléculas de adesão16, ativação de polimorfonucleares neutrófilos (PMN)1,5,7,13,17, produção de radicais derivados do ânion superó-xido (O2), enzimas granulocíticas e metabólitos do ácido aracdônico3,15,16, além do aumento de ci-tocinas, fator ativador de plaquetas (PAF) e óxido nítrico (NO)16.

Complemento

A demonstração de que a ativação do sistema complemento, tanto pela via clássica quanto pela alternativa3, ocorre durante a CEC foi o estímulo inicial para que se estabelecesse a hipótese de que a mesma induz à resposta inflamatória10.
Acredita-se que o principal fator responsável pela ativação do complemento e conseqüente desencadeamento da resposta inflamatória seja o contato das células sangüíneas com membranas artificiais do circuito extracorpóreo3,4,8,12,13,18.
Na ativação do complemento formam-se as anafilatoxinas, C3a e C5a, além do complexo de ataque à membrana (MAC0 ou C5b-9. Vários estudos confirmam a ativação do complemento após o uso de CEC1,4,9,10,12,13,19,20 e relatam que os produtos provenientes dessa ativação induzem à produção de citocinas13, ativando leucócitos devi-do ao potente poder quimiotático das anafilatoxi-nas C3a e C5a, principalmente C5a9,13. Neste pro-cesso ocorre ainda ativaç&atilde
;o do processo da coa-gulação13 e aumento da adesão de neutrófilos às células endoteliais, devido à maior expressão de moléculas de adesão9,10,20, com degranulação de neutrófilos in vitro10. Além disso, há deposição de MAC na membrana leucocitária induzindo à alteração pró-inflamatória na célula10.

Neutrófilos

Sabe-se que a adesão dos neutrófilos ao endo-télio é um pré-requisito essencial a todos os pro-cessos que conduzem à injúria tecidual9.
A descrição mais precoce da adesão de neutro-filos foi feita por Cohnheim21. A primeira fase constitui o chamado rolamento ou adesão prima-ria e envolve as selectinas, que são moléculas de adesão expressadas na membrana de leucócitos e células endoteliais. A segunda fase é a adesão se-cundária com intumescimento da célula endotelial e migração transendotelial induzida por agentes quimiotáticos e mediados pela expressão de inte-grinas presentes na superfície de leucócitos9.
Esta adesão está associada a mudanças dentro das células levando à degranulação e à liberação de enzimas proteolíticas, radicais livres de O2 e metabólitos do ácido aracdônico7,10. Tal aderência cria um microambiente dentro do qual haverá au-mento de substâncias potencialmente lesivas em contato com a célula endotelial, no interior da qual há dificuldade de penetração de inibidores destes mediadores10. Como resultado final deste processo ocorre a injúria endotelial.
Em relação à injúria tecidual mediada por neu-trófilos, evidências recentes sugerem que eles contribuam para a mesma através de dois meca-nismos: limitando a reperfusão por causarem uma obstrução na luz do capilar e/ou secretando pro-dutos citotóxicos à microvasculatura e aos mióci-tos7,22. Assim, tal adesão não somente promove a retenção de neutrófilos dentro dos vasos como também leva à migração destes para sítios extra-vasculares, levando à disfunção de órgãos, feno-menos que sabidamente ocorrem após a reperfu-são do miocárdio isquêmico7,22.
Vários estudos relatam ativação precoce e per-sistente dos neutrófilos pós-CEC1,3,9,10,13,17. Ob-servou-se que, durante a CEC, os neutrófilos apresentam maior tendência a aumentar a produ-ção de radicais livres de O2 e à degranulação9, fa-to comprovado pelo aumento do nível sérico de enzimas granulocíticas13, tais como elastase7,9,15, mieloperoxidase1,4,15 e lactoferrina13.
Embora a ativação de neutrófilos e a secreção de metabólitos tóxicos tenham sido bem docu-mentados após a CEC, estudo realizado por Holz-heimer et al7 sugere que a principal causa da in-flamação e dano tecidual seja a interação direta célula-célula, onde metabólitos tóxicos estão au-mentados na proximidade de células susceptíveis, provavelmente não sendo tais metabólitos os uni-cos responsáveis pela disfunção orgânica, pois estes têm meia vida curta e são rapidamente diluí-dos, como por exemplo, o peróxido de hidrogênio (H2O2). Recentemente vem sendo descrita tam-bém a disfunção do miocárdio6 seguida de pro-longada isquemia e reperfusão, parcialmente de-pendente da adesão entre neutrófilos e células do miocárdio e endoteliais3,22. Sabe-se que a adesão neutrófilo-endotélio requer apenas ativação neu-trofílica7, já a adesão neutrófilos-miócitos requer ativação de ambas as células, sendo a expressão nos miócitos do ligante mais importante nessa adesão, o ICAM-1, estimulada por IL-1, TNF-alfa e IL-67. Não está claro ainda se a cirurgia por si só está associada com aumento concomitante des-sas citocinas7.

Moléculas de adesão

Dois grupos de moléculas de adesão são mais importantes na síndrome pós-CEC: integrinas e selectinas.
As integrinas podem ser expressadas pelos leu-cócitos, porém existe apenas uma família com-posta por três membros, que compartilham a mês-ma cadeia ß (ß2 ou CD18) exclusiva destas célu-las. Fazem parte dessa família: CD11 a/CD18, CD11 b/CD18 e CD11 c/CD18. Os dois primei-ros são abundantemente expressos nos neutrófilos e vão mediar a adesão secundária dos mesmos ao endotélio, sendo que o primeiro deles é expresso de maneira constante enquanto que o outro pode ser aumentado em segundos após uma exposição a estímulos quimiotáticos, tais como C5a e IL-89. O ligante melhor definido para essas integrinas é o ICAM-1 (molécula de adesão intercelular) em-bora o CD11 a/CD18 possa aderir também ao ICAM-29. Há ainda evidências que a adesão via CD11 b/CD18 prepara o neutrófilo para a degra-nulação23.
As selectinas também são moléculas de adesão expressadas por várias células, dependendo do seu tipo: L, P ou E-selectina. A L-selectina é ex-pressada por alguns linfócitos e por todos os leu-cócitos mielóides, inclusive neutrófilos e está en-volvida na adesão pri
mária dos mesmos9. A ex-pressão quantitativa dessas moléculas na mem-brana celular pode ser influenciada por estímulos mecênicos, por IL-813 e por uma série de fatores quimiotáticos, inclusive componentes do sistema complemento10. O mesmo estímulo que causa au-mento da expressão de CD11 b/CD18 induz a uma rápida perda da expressão de L-selectina nos neutrófilos9, conforme é observado na CEC9,10,24. Em contraposição, há estudos que não evidencia-ram alterações na expressão desses receptores de membrana após CEC9,10.
Assim, CD11 b/CD18 e L-selectina são as mo-léculas de adesão mais importantes dos neutrófi-los10,25, sendo que a primeira é responsável pela adesão entre neutrófilos e células endoteliais, pro-cesso mediado pela interação com ligantes como ICAM-1, C3b e fibrinogênio da célula endote-lial10.
A P-selectina é expressada por plaquetas ativa-das e células endoteliais. Pode também mediar a adesão primária dos neutrófilos e fornecer condi-ções para o aumento das integrinas induzido por fatores quimiotáticos9. Rinder & Fitch24 mostra-ram que a CEC ativa leucócitos, plaquetas e con-seqüentemente esta adesão aumenta a expressão de CD11 b/CD18 e P-selectina podendo influen-ciar na atividade protombótica de monócitos e a atividade pró-inflamatória de PMN no período pós-CEC. Neste estudo verificou-se ainda que in vitro o fragmento C5a do complemento e o MAC (C5b-9) podem contribuir para a expressão de P-selectina pelas plaquetas e conseqüente formação de conjugados entre elas e os neutrófilos24.
A E-selectina como o ICAM-1, é expressado por células endoteliais in vitro após estímulo com IL-1, TNF-alfa, endotoxinas e IL-8 e está envol-vida na adesão entre neutrófilos e células endote-liais por um mecanismo distinto do ICAM-19.
É possível que os neutrófilos desprovidos de L-selectina sejam relativamente menos capazes de se aderir na circulação sistêmica, mas poderiam seletivamente tornar-se seqüestrados no pulmão na hora da reperfusão pulmonar pós-CEC10. Al-guns estudos mostram que em condições de baixo fluxo pulmonar, há seqüestro de leucócitos neste órgão10. Após a CEC, este fenômeno é intenso, com predominância de neutrófilos10,26 que serão responsáveis pela injúria pulmonar.

Citocinas

Vários estudos têm sugerido que a ativação e o aumento de citocinas desempenham um impor-tante papel na patogênese da síndrome pós-perfu-são induzida pela CEC5.
As citocinas compreendem um grupo de poli-peptídeos produzidos por diferentes tipos celu-lares e que possuem papel de mediadores das res-postas endócrina, metabólica e imunológica. Nas cirurgias cardíacas com CEC, sabe-se que há au-mento dos níveis de citocinas proinflamatórias, tais como IL-1ß1,8,19,27, IL-61,3,4,7,8,13,17,27, IL-81,9,10,13,19,28,29, TNF-alfa5,8,27 e antiinflamatórias como IL-101,17. Também foi evidenciada diminui-ção de IL-217. O aumento de IL-10 e a diminuição de IL-2 foram associados com uma diminuição da proliferação de células mononucleares do sangue periférico17. Pouco se sabe sobre a resposta de ci-tocinas de pacientes que desenvolvem complica-ções pós-operatórias18.
Recentes estudos documentam altas taxas de morbi-mortalidade correlacionadas com aumento da concentração de citocinas27. As citocinas pró-inflamatórias induzem à expressão de moléculas de adesão nos neutrófilos, miócitos e células en-doteliais3,7 promovendo sua adesão e aumentam a expressão celular de NO sintetase com aumento da produção de NO, um mediador inflamatório que causa vasodilatação22,25,27. O NO sintetizado pelo endotélio vascular pode inibir a adesão entre neutrófilos e células endoteliais por diminuir a expressão de CD11b/CD18 e inibir a ativação de plaquetas5,25. Neste mesmo processo ocorre tam-bém a ativação de células Natural Killer (NK) embora o número destas células permaneça nor-mal8 e o aumento da expressão de ICAM-1 nos miócitos do coração. Existem outros estudos que não detectaram níveis significativamente altos de IL-1ß8 e TNF-alfa7,8 pós-CEC.
O TNF-alfa é uma citocina derivada dos neu-trófilos e monócitos, cujos níveis aumentam em resposta a uma série de estímulos (infecções, traumas, injúria térmica e alguns tumores), assim como a IL-67. O TNF-alfa entre outras funções, é responsável por induzir disfunção endotelial, com aumento da permeabilidade vascular e está impli-cado na síndrome vasoplégica, que pode acometer pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC e que se caracteriza por persistente e severa hipotensão associada à taquicardia no pós-opera-tório5.

Essas discrepâncias provavelmente são devidas a diferentes fatores no circuito extracorpóreo (ti-po de material utilizado, temperatura da solução, tipo de oxigenador, tempo de uso da CEC), dife-renças na técnica de mensuração de citocinas e no intervalo de tempo entre as coletas8. Assim o TNF-alfa foi encontrado com poucas alterações por alguns estudos7,8 enquanto que em outros, foi detectado aumento de seus níveis, o que po
de ser explicado pela sua meia vida muito curta, haven-do necessidade de mensurações seriadas com pe-quenos intervalos entre elas para adequada detec-ção.
A detecção de aumento de IL-6, principal regu-lador da produção hepática de proteína da fase aguda de inflamação13 e em menor extensão de TNF-alfa, além do aumento de elastase na circu-lação pulmonar, sugere que eles possam estar en-volvido na ativação de neutrófilos presentes no interior dos pulmões durante a CEC7.
O aumento da IL-8 também tem sido freqüente-mente documentado após a CEC1,9,10,13,19,28,29. Es-ta citocina é produzida por uma série de tipos ce-lulares10, incluindo células endoteliais9,10,29, mo-nócitos9,29, linfócitos T9,29 e neutrófilos9. Na CEC simulada, a IL-8 parece ter origem de células cir-culantes, possivelmente dos neutrófilos10,28. Esta citocina regula a migração transendotelial dos neutrófilos9,10, exerce potente ação quimiotática para leucócitos, basófilos e linfócitos T29, aumen-ta a liberação de enzimas granulocíticas pelos neutrófilos13 e aumenta a expressão de CD11b/ CD18 nos neutrófilos, potencializado a adesão ao endotélio1,13,19,29.
Foi observado também aumento do fator qui-miotático para monócitos (MCAF) após a CEC29, sendo que a ativação destas células à expressão do fator tecidual e atividade procoagulante, o que aumenta o risco de eventos tromboembólicos após período prolongado de CEC29. Verificou-se ainda que a expressão dos genes para MCAF e IL-8 é induzida pela IL-1ß e pelo TNF-alfa29.
O fator ativador de plaquetas (PAF) tem sido relatado como um estímulo para rolamento pre-coce de neutrófilos na adesão à P-selectina do endotélio9.

Linfócitos

Estudo avaliando alterações linfocitárias pós- -CEC não encontrou diferença significativa nos números de linfócitos B (células CD 19+) ou T (células CD 3+), mas demonstrou uma diminui-ção significativa na relação CD4+/CD8+ 8. Outro estudo observou linfopenia após o uso de CEC17. Poucos trabalhos pesquisaram número e função de linfócitos após esse procedimento nos últimos cinco anos.

Imunoglobulinas

Diminuição significativa nos níveis de imuno-globulinas, principalmente IgG e IgM, já foi de-tectada pós-CEC e comprovou-se que tal diminui-ção é mais quantitativa do que funcional devido à diluição que ocorre após este procedimento, uma vez que a capacidade de opsonização estava con-servada12.

Tentativas de modificação da resposta infla-matória na CEC

A maior parte dos trabalhos conclui que os principais efeitos que a CEC exerce sobre o sis-tema imune do indivíduo devem-se a alguns fa-tores que vão culminar com a ativação dos neu-trófilos, entre eles: o contato do sangue com membranas artificiais do circuito (associado a um aumento da elastase e C3a) e a reperfusão do miocárdio isquêmico seguida de aumento de elastse, C3a, leucotrieno B4 e fator ativador do plasminogênio tecidual7. Acredita-se que esse contato das células do sangue com membranas não biocompatíveis3,4,8,12,13,18 seja o principal desencadeador da resposta imune, com conse-qüente alterações morfológicas e funcionais des-tas células12.
Também foi descrito que a CEC pode produzir isquemia nos órgãos perfundidos pela circulação esplâncnica, levando a edema, congestão intesti-nal e passagem de bactérias do intestino para a circulação3,5. Sabe-se ainda que essas endotoxinas induzem à formação de TNF-alfa por ativação de macrófagos e monócitos5.
Os efeitos gerados pela CEC dependem, por-tanto, de um amplo espectro de componentes que agem como desencadeadores (como as anafilato-xinas C3a e C5a derivadas do complemento ati-vado), mediadores (como as citocinas e as molé-culas de adesão) ou efetores da cascata inflama-tória (como as enzimas proteolíticas, os radicais livres de O2, os metabólitos do ácido aracdônico e os leucotrienos)6.
A interação precisa entre esses diferentes com-ponentes permanece desconhecida. Acredita-se que seja um fenômeno complexo que ocorreu em um microambiente restrito situado entre o neutró-filo e a célula endotelial10, porém fica difícil afir-mar qual o primeiro elemento da resposta imune que desencadeia a ativação de neutrófilos e subse-qüente injúria endotelial e disfunção orgânica.
Tendo em vista todas essas alterações, têm sido descritas estragégias para atenuar essa resposta inflamatória e prevenir possíveis complicações pós-operatórias6,17. Tais estratégias objetivam in-terferir na resposta inflamatória através da admi-nistração de agentes farmacológicos como corti-cóides em altas doses7,14, aprotinina (inibidor de serina protease)14,25 e acadesina25, ou de anticor-pos monoclonais14 como anti-IL-63,7,14, anti-CD1810, anticorpos bloqueadores da clivagem de C524 ou até modificações na técnica e nos equi-pamentos do circuito extracorp&o
acute;reo32, sendo a hemofiltração a técnica mais citada1,3,4,7,25, segui-da do uso de baixa heparinização sistêmica33, que cursa com menor ativação do complemento e dos níveis de lactoferrina.
Em relação aos agentes farmacológicos, foi descrito que a administração de aprotinina a pa-cientes que se submetem à revascularização do miocárdio com CEC, diminui os níveis de TNF- -alfa e diminui bruscamente a expressão de CD11b. Dados sugerem que esta droga também seja capaz de inibir a expressão de NO sintetase por citocinas e subseqüente produção de NO pe-las células epiteliais da parede brônquica25. A acadesina também pode inibir a expressão de CD11b pelos neutrófilos25.


Estudo avaliando os efeitos dos diferentes ma-teriais utilizados na CEC (tubos e soluções) na expressão de CD11b/CD18 e L-selectina na su-perfície de neutrófilos, concluiu que a mistura de sangue com soluções àcidas e/ou a exposição aos tubos de PVC causam aumento da expressão de moléculas de adesão nos neutrófilos, sendo que a neutralização dessa solução ácida diminui tal ex-pressão enquanto a hemodiluição não apresenta-va efeitos benéficos30.
Estudos realizados a respeito da temperatura das soluções cardioplégicas utilizadas na CEC, demonstraram que soluções hipotérmicas indu-zem à menor expressão de moléculas de ade-são10,31,32 e menor produção de IL-810, quando comparadas às normotérmicas. Foi observado ainda, que a ativação do complemento é similar em ambas10, o que está em desacordo com outros autores31.
A hemofiltração por sua vez mostrou-se efetiva em vários estudos levando a redução significativa de TNF-alfa, IL-1ß, IL-6, IL-8, IL-10, melopero-xidase e C3a porém o fator desencadeador da res-posta inflamatória que esta técnica remove ainda não foi identificado1. Outro estudo utilizando a hemofiltração demonstrou diminuição dos níveis de TNF-alfa e IL-6 associada com melhora hemo-dinâmica25, o que não está de acordo com estudos que não observaram diferença significativa nos níveis de IL-6, produtos derivados do comple-mento ativado e mieloperoxidase4.
Embora tais terapias prometam prevenção fu-tura para a síndrome pós-perfusão decorrente da CEC em grandes cirurgias, deve-se determinar se a depleção de leucócitos por mecanismo de filtra-ção ou o uso de altas doses de corticosteróides poderão predispor o individuo a infecções pós- -operatórias. Além disso, a hemofiltração também depleta plaquetas, predispondo a sangramentos intensos no pós-operatório7. Sendo assim, o uso de anti-IL-6 na prevenção da síndrome pós-perfu-são induzida pela CEC parece ser a terapêutica mais efetiva e de menor toxicidade7.
Enfim para evitar os efeitos adversos da CEC, ao longo dos últimos 15 anos, vêm sendo de-monstrados benefícios da revascularização do miocárdio sem circulação extra-corpórea, com baixa morbi-mortalidade e redução dos custos da cirurgia2. Torna-se necessário, portanto, que mais pesquisas sejam realizadas para que as alterações imunológicas que ocorrem com o uso da CEC se-jam claramente conhecidas e sejam estabelecidas medidas profiláticas para suas complicações, quando esse procedimento for indicado.

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Figura 1 – Principais mecanismos imunológicos envolvidos pós-CEC