Doença pouco conhecida entre os médicos, o angioedema hereditário pode levar à morte

Medicamento, que custa em torno de R$ 7 mil, não está na lista do SUS

Pouco divulgado, mas capaz de levar pessoas ao óbito, o angioedema hereditário é uma doença genética, que pode ocorrer por deficiência de uma enzima (Inibidor de C1) e que resulta na produção excessiva de bradicinina uma amina vasoativa, provocando extravasamento de líquido dos vasos sanguíneos e se traduzindo em crises de edema (inchaço) que ocorrem na face, mãos e pés, genitais, intestino e glote, sendo essa última a reação mais grave e que pode causar a morte.

Estima-se que 1 em cada 20 mil ou 1 em cada 50 mil pessoas tenha a doença no Brasil. Além dos aspectos físicos, há vários fatores emocionais comprometidos na doença, que vão desde a falta de vontade de ir ao trabalho, ausência de estímulo para tentar progressões profissionais, depressão e, principalmente, o medo da morte por edema de glote.

Célia Regina Campagnaro é uma paciente que entrou para a estatística há 20 anos. Na época, poucos médicos conheciam da doença. Com dores fortes no abdômen, passou até por cirurgia de apêndice, que na verdade era uma crise de angioedema no intestino.

Há quatro anos, Célia recebeu o diagnóstico no Hospital das Clínicas de Curitiba, onde descobriu também que seus dois filhos são portadores de angioedema hereditário. “Quando entro em crise, as dores abdominais são insuportáveis. Preciso usar a medicação com urgência”, conta a paciente.

A reação mais grave durante uma crise é o edema de glote, experiência pela qual passou, há cerca de três meses, o paciente Marcelo Mafra. O pai dele, que também tem a doença, percebeu a “herança genética” passada ao filho ainda na infância. “Com a medicação, fico até um ano sem crises. Por causa da doença, desisti de ser pai”, conta Marcelo.

Tratamento
O especialista da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) e professor de Pediatria, Alergia e Imunologia da Universidade Federal do Paraná, Dr. Herberto José Chong Neto, explica que existem três formas de tratar a doença:

a) com plasma fresco e, mais recentemente, com medicações que podem ser administradas por via endovenosa (inibidor de C1 derivado de plasma), que pode ser administrado em hospitais ou pela via subcutânea (inibidor do receptor de bradicinina) pelo próprio paciente em casa.
b) tratamento preventivo, que pode ser feito com derivados de hormônios masculinos atenuados, porém não devem ser utilizados em crianças e podem desenvolver vários efeitos adversos ao longo do tempo.
c) tratamento preventivo para procedimentos, como, por exemplo, uma extração dentária ou outro procedimento cirúrgico. Nestes casos, recomenda-se o uso do inibidor de C1 derivado de plasma. 

Medicamento só por via judicial
O problema maior para os pacientes de angioedema hereditário é a dificuldade no acesso aos medicamentos. “Infelizmente, no SUS, estão disponíveis apenas os derivados de hormônios andrógenos atenuados ou tratamento com plasma fresco. O inibidor de C1 derivado de plasma e o inibidor do receptor de bradicinina não estão disponíveis, o que leva à judicialização do tratamento devido ao alto custo destas medicações”, conta Dr. Chong.

Renata de Oliveira Martins, presidente da Associação Brasileira de Portadores de Angioedema Hereditário (Abranghe), conta que desde 2015 lutam pela volta ao mercado do medicamento que ajuda a diminuir a quantidade das crises e sua intensidade. Só um laboratório no Brasil produz o remédio.

Os portadores de angioedema necessitam também do medicamento que é específico para o momento da crise. São dois produtos aprovados no Brasil, mas de alto custo, cerca de R$ 7 mil a dose. O Sistema Único de Saúde (SUS) não fornece a medicação, e para obtê-la, é necessário apelar para ação judicial. “Orientamos o paciente a entrar na justiça com advogado próprio ou através da defensoria pública, porém, oferecemos parceiros que fazem esse trabalho sem custo para o paciente associado à Abranghe”, conta Renata.

Atualmente, a Associação conta com 1.300 pacientes cadastrados, em diversas regiões do Brasil. Mas há estudos que mostram que esse número pode chegar a mais de seis mil pessoas. “Precisamos atingir esses pacientes que ainda não estão em nosso banco de dados para levar informação de especialistas que já sabem e conhecem sobre a doença. As crises são muito parecidas com alergias. Quando o portador chega ao pronto-socorro os plantonistas dificilmente conhecem a doença e o tratamento é inadequado”, relata a presidente.