As alterações oro-faciais apresentadas em pacientes respiradores bucais
As alterações oro-faciais apresentadas em pacientes respiradores bucais
Dr. Fábio F. M. Castro
Introdução
A respiração bucal é altamente comprometedo-ra na definição de forma e contorno dos arcos dentários, bem como de todo o processo naso-ma-xilar1-4. Angle5 em 1907 afirmou que:
“Das mais variadas causas das mal oclusões, a respiração bucal é a mais potente, constante e variada em seus resultados… Causando por esse mo-tivo desenvolvimento assimétrico dos músculos, como dos ossos do nariz, maxila e mandibula, é uma desorganização das funções exercidas pelos lábios, bochechas, e língua… Ele constatou que os efeitos da respiração bucal são sempre manifesta-dos na face. O nariz é pequeno, curto, com asas retas; as bochechas ficam pálidas e baixas; a boca fica constantemente aberta; o lábio superior é cur-to; a mandíbula fica posicionada para trás e tem falta de desenvolvimento, sendo geralmente me-nor que o normal em seu comprimento, provável-mente devido a pressões não equilibradas dos musculos”.
Como causa principal da respiração bucal te-mos a obstrução nasal, que está vinculada a uma série de anomalias na morfologia facial, maxilar e dentária. Denominando-se por isso “síndrome da face longa”6. Seu resultado freqüentemente de-monstra um indivíduo patético com aparência abobalhada7.
Então, por que deixar a criança desenvolver a síndrome da face longa, quando o tratamento pre-coce evita o agravamento da doença, afetando a arcada dentária, alterando a fonação, o esqueleto facial, a aparência do indivíduo e a sua qualidade de vida, pois o paciente com obstrução das vias aéreas superiores está constantemente doente, sentindo-se cansado devido à diminuição da qua-lidade do sono, chegando às vezes a ter proble-mas de insônia.
Um tratamento que restabeleça ao paciente a respiração nasal pode ajudar a criança a apresen-tar a face que geneticamente teria, impedindo uma alteração antiestética produzida por influên-cias ambientais8.
Portanto, o objetivo deste artigo é mostrar a re-lação da respiração bucal com alterações denta-rias e faciais, mas também citar outros incômodos por ela causada. Daremos, contudo, maior enfo-que à rinite alérgica como fator etiológico7-13, pois segundo Moura (1991)14, o hábito de respira-ção bucal geralmente está relacionado à causa e é portanto de difícil tratamento.
Causas da respiração bucal
A respiração bucal é o principal fator etiológico da síndrome da face longa (SFL)7, 9-12, 15, 16, sendo ela causada pela obstrução das vias aéreas supe-riores. Os fatores etiológicos causadores da obs-trução podem ser:
– Alterações do septo nasal:
Desvio de septo, esporão, fraturas etc…, podem promover dificuldade respiratória devido a um es-treitamento de uma ou ambas fossas nasais.
-Hiperplasia de adenóides:
Adenóide é a proliferação dos tecidos linfáti-cos. A adenóide, é encontrada na parede posterior da nasofaringe, e quando ela está aumentada pode causar um bloqueio nas vias aéreas impedindo a respiração nasal do paciente.
– Tonsilas inflamadas:
O enfartamento das amígdalas confere ao ato da deglutição uma sensação dolorosa. Os pacien-tes com amigdalites buscam outras posições para a língua, realizando a deglutição de forma que se-ja menos dolorosa, mas suportável. Nos processos crônicos, a posição viciosa de tanto se repetir, pó-de instalar-se e perm
anecer mesmo depois da re-moção das amígdalas16.
– Conchas nasais hipertróficas:
As conchas nasais, em número de três, são constituídas por um osso, circundado por parên-quima vascular com capacidade de aumentar e di-minuir seu volume em reação a diversos fatores.
Nos quadros nasais obstrutivos a principal con-cha envolvida é a inferior, pois é a que mais pa-rênquima possui e mais próxima está da região da válvula nasal.
– Hábitos deletérios:
Em geral, os hábitos resultam da repetição de um ato que em sua essência primordial tem deter-minado fim. Assim, por exemplo, a sucção é rea-lizada principalmente para obter alimento. Quan-do realizada sem fins nutritivos pela prática repe-titiva pode condicionar a instalação de um hábito. Existem os bons hábitos e os hábitos indesejáveis que podem traduzir perversões funcionais. A res-piração é automática e quando normal, realizada pelo nariz. Por várias razões poderá sofrer alte-ração e passar a ser realizada pela boca15.
Uma das causas etiológicas da respiração bucal está relacionada com hábitos cronicamente adqui-ridos e mantidos, como o uso prolongado de chu-peta e mamadeira com bico inadequado, falta de aleitamento materno. A postura errada da mama-deira poderá dificultar a respiração pelo nariz, acarretando a respiração pela boca. A posição do bebê no berço pode ser causa de respiração bucal, pois se ele estiver mal posicionado não consegui-rá respirar pelo nariz. Existe ainda o hábito de respirar pela boca, apesar da possibilidade de res-pirar pelo nariz, que atualmente é denominada disfunção, isto é, o paciente não respira pelo nariz devido aos anos de obstrução real que o impedi-ram de usar sua musculatura facial de maneira correta, seus lábios adquiriram uma posição in-correta, ocasionada pela hipotonia labial. Com isso, mesmo não havendo nada que o impeça de respirar pelo nariz ele não consegue. É freqüente encontrarmos nos pacientes com respiração bucal, interposição de língua, onicofagia (hábito de roer as unhas) e movimento de língua como se estives-se mastigando.
– Rinite alérgica:
A rinite alérgica caracteriza-se por um processo inflamatório desencadeado tanto pelo contato com os alérgenos quanto com agentes irritantes17.
Define-se rinite alérgica como uma doença ca-racterizada clinicamente por prurido nasal inten-so, espirros em salva, obstrução nasal e coriza hi-alina, sintomas estes conseqüentes ao intenso pro-cesso inflamatório da mucosa nasal. Acredita-se que cerca de 10% da população mundial apresen-te rinite alérgica, atingindo aproximadamente 15% em crianças e adolescentes18.
A “síndrome alérgica” desencadeia a respiração bucal crônica1, sendo grande problema para orto-dontistas, pois é de difícil tratamento devido a sua etiologia que esta associada ao ônus que se paga pela civilização moderna, a poluição20, ao ar con-dicionado, etc19.
O sucesso do tratamento ortodôntico está dire-tamente ligado a uma boa anamnese. Pois, se o paciente for respirador bucal ele terá uma grande possibilidade de recidiva da má-oclusão ao térmi-no do tratamento.
A história familiar é muito importante20. Geral-mente quando um dos pais apresenta rinite alérgi-ca, o filho tem 40% de probabilidade de também apresentar a doença. Um dos pais pode possuir eczema e transmitir a tendência alérgica sob for-ma de rinite alérgica8.
É comum os pais relatarem a ocorrência de “resfriados freqüentes”, caracterizados por secre-ção nasal hialina e persistente e espirros em salva. Sintomas de conjuntivite e antecedente pessoal de atopia associados devem alertar para o diagnósti-co de rinite alérgica20.
De acordo com Krause (1983)21, a rinite alérgi-ca é a principal causa da obstrução nasal. Outros autores colocam a hipertrofia de adenóide como a primeira e a rinite alérgica a segunda, contudo
aquela é freqüentemente encontrada como resul-tado secundário da alergia.
Marks (1965)12 relatou ter encontrado grande incidência de bruxismo em crianças alérgicas. Sua hipótese é que rangendo os dentes ela consi-ga abrir a tuba auditiva, freqüentemente obstruida devido ao edema do tórus tubário. (Fig.1).
Pacientes com o hábito da respiração bucal mantêm a boca constantemente aberta, evitando que a língua pressione o palato. Com isso, há compressão externa da maxila pelo desenvolvi-mento dos sistemas ósseo e muscular da face. O palato duro tende a subir (formando o palato ogi-val), e a arcada dentária superior tende a se deslo-car para frente e para dentro, provocando disto-clusão e mordidas cruzadas. Ao subir, o palato pressiona o septo cartilaginoso para cima e para frente, desviando-o21.
Devido a todas estas alterações ocorridas na musculatura facial e esquelética, o paciente de-senvolve uma disfunção respiratória que o leva a respirar pela boca, mesmo após tratamento que libere suas vias respiratórias, sendo necessário uma terapia fonoaudiológica que o ajude a respi-rar pelo nariz.
Um diagnóstico precoce e um tratamento alér-gico moderno e eficiente, pode freqüentemente prevenir pelo menos um dos maiores fatores que contribuem para efeitos progressivos da defor-mação dentofacial, que é a respiração bucal.
Características do respirador bucal
Devido ao conjunto de sintomas e sinais carac-terísticos encontrados no respirador bucal, pode-mos reconhecer a respiração bucal como uma síndrome, que dá ao paciente um aspecto geral de criança abobalhada, distraída e ausente. Os sinto-mas freqüentemente são8, 9, 12, 19, 20, 22-24: (fig.2)
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Estrutura facial alterada: a face torna-se longa e estreita.
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Lábio superior hipotônico, curto e elevado com alteração, dada à pouca irrigação san-güínea.
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Lábios separados e ressecados.
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Língua hipotônica, volumosa, repousando no assoalho bucal.
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Nariz pequeno, afilado, tenso, ou com a pira-mide alargada.
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Olheiras profundas.
A história clínica do paciente com respiração bucal é característica. Freqüentemente encontra-mos amigdalites recorrentes, rinite alérgica, hi-pertrofia de adenóides, etc… É relatado também ronco, halitose, síndrome da apnéia obstrutiva do sono, irritabilidade e/ou agressividade sem causa aparente.
Assim como distúrbios de crescimento, desen-volvimento, falta de atenção na escola, estão as-sociados à crônica falta de oxigenação sangüínea adequada (diminuição de O2), propiciando uma deterioração da qualidade de vida e um processo de envelhecimento precoce23.
Alterações bucais do respirador bucal
A respiração bucal obriga o paciente a manter a boca aberta, para suprir a deficiência de ar respi-rado. Com isso o equilíbrio vestibulolingual é re-movido, alterando o equilíbrio da musculatura fa-cial. As alterações mais freqüentes encontradas nos respiradores bucais são: (fig 3).
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Mordida cruzada devido ao estreitamento en-contrado na maxila.
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Mordida aberta anterior, devido à falta de pressão do lábio superior sobre os incisivos e os dentes entreabertos para facilitar a respira-ção, isto causa o rompimento do equilíbrio de forças mantenedoras da oclusão.
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Palato ogival, pois a pressão negativa do ar entrando pela cavidade bucal, ao invés de en-trar pelo nariz, faz com que o palato cresça para cima, provocando desarmonias oclusais e apinhamento devido a atresia do arco.
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Mento retraído.
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Gengivite crônica, devido ao ressecamento da mucosa oral e a um acúmulo de placa bacté-riana, em conseqüência do excesso de muco aderido aos dentes.
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Alto índice de cárie. As alerações caracterís-ticas do respirador bucal como a queda da mandíbula, musculatura labial, língua apoiada no assoalho bucal e as outras anteriormente citadas, alteram a microbiota bucal elevando a quantidade de microorganismos cariogênicos em conseqüência aumenta a suscetibilidade de cárie. A cárie é uma doença multifatorial que depende da interação de três fatores princi-pais: o hospedeiro, representado pela saliva e pelos dentes; a microbiota e a dieta consumi-da. O respirador bucal tem o fluxo salivar di-minuído pelo ressecamento ocorrido pela res-piração bucal, diminuindo sua resistência aos microorganismos cariogênicos como o Strep-tococcus mutans, que é considerado agente etiológico primário da cárie25.
Conclusão
A importância de um tratamento precoce da respiração bucal, em conseqüência de um correto diagnóstico é extremamente importante para um resultado ortodôntico com sucesso ou para evitar o agravamento da má oclusão de pacientes predis-postos a alterações oro-faciais.
O ortodontista é quem vai observar o cresci-mento da face da criança, contudo, ele deveria, conforme cada caso específico, consultar seus colegas otorrinos, pediatras, alergistas e fonoau-diólogos, para ter maiores condições de promover um desenvolvimento facial correto. Evitando complicação tanto na cavidade oral como facial do paciente. O tratamento precoce evita que futu-ramente seja necessário um tratamento ortodôn-tico corretivo ou às vezes até cirúrgico.
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Figura 1 – Neste esquema mostramos a relação entre a rinite alérgica e as alterações oro-faciais, sendo ela o fator inicial desencadeante do processo.
Figura 2 – Paciente em idade pré escolar, apresenta hipotonia lábil, olhos caídos, lábios sem contato caracterizando a respiração bucal, rosto fino e
alongado.
Figura 3 – Paciente em idade pré escolar, com mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior devido à atresia do arco superior, levando a um apinhamento anterior.